setembro 13, 2016

[Textos] Desculpe o transtorno, preciso falar da Clarice - Gregorio Duvivier


Conheci ela no jazz. Essa frase pode parecer romântica se você imaginar alguém tocando Cole Porter num subsolo esfumaçado de Nova York. Mas o jazz em questão era aquela aula de dança que todas as garotas faziam nos anos 1990 –onde ouvia-se tudo menos jazz. Ela fazia jazz. Minha irmã fazia jazz. Eu não fazia jazz mas ia buscar minha irmã no jazz. Ela estava lá. Dançando. Nunca vou me esquecer: a música era "You Oughta Know", da Alanis.

Quando as meninas se jogavam no chão, ela ficava no alto. Quando iam pra ponta dos pés, ela caía de joelhos. Quando se atiravam pro lado, trombavam com ela que se lançava pro lado oposto. Os olhos, sempre imensos e verdes, deixavam claro que ela não fazia ideia do que estava fazendo. Foi paixão à primeira vista. Só pra mim, acho. 

Passamos algumas madrugadas conversando no ICQ ao som de Blink 182 e Goo Goo Dolls. De lá, migramos pro MSN. Do MSN pro Orkut, do Orkut pro inbox, do inbox pro SMS.

Começamos a namorar quando ela tinha 20 e eu 23, mas parecia que a vida começava ali. Vimos todas as séries. Algumas várias vezes. Fizemos todas as receitas existentes de risoto. Queimamos algumas panelas de comida porque a conversa tava boa. Escolhemos móveis sem pesquisar se eles passavam pela porta. Escrevemos juntos séries, peças de teatro, filmes. Fizemos uma dúzia de amigos novos e junto com eles o Porta dos Fundos. Fizemos mais de 50 curtas só nós dois —acabei de contar. Sofremos com os haters, rimos com os shippers. Viajamos o mundo dividindo o fone de ouvido. Das dez músicas que mais gosto, sete foi ela que me mostrou. As outras três foi ela que compôs. Aprendi o que era feminismo e também o que era cisgênero, gas lighting, heteronormatividade, mansplaining e outras palavras que o Word tá sublinhando de vermelho porque o Word não teve a sorte de ser casado com ela.

Um dia, terminamos. E não foi fácil. Choramos mais que no final de "How I Met Your Mother". Mais que no começo de "Up". Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: cadê ela? Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse tido um filho, eu penso. Levaria pra sempre ela comigo.

Essa semana, pela primeira vez, vi o filme que a gente fez juntos — não por acaso uma história de amor. Achei que fosse chorar tudo de novo. E o que me deu foi uma felicidade muito profunda de ter vivido um grande amor na vida. E de ter esse amor documentado num filme — e em tantos vídeos, músicas e crônicas. Não falta nada.

- Gregorio Duvivier

setembro 06, 2016

[Livros] Por Lugares Incríveis - Jennifer Niven

Título Original: All The Bright Places
Autor: Jennifer Niven
Editora: Seguinte
Páginas: 336
Gênero: YA, Ficção, Romance
País: Estados Unidos
ISBN: 9788565765572
Classificação: ★★★
_______________

Por mais livros incríveis como este! A sensibilidade e honestidade com que Jennifer Niven escreve essa história são emocionantes. Cada trecho de Por Lugares Incríveis carrega um pouco da mente perturbada de um adolescente e em cada questionamento e crise é possível imaginar um pedaço de nossa própria consciência se esvaindo, pedindo socorro como tantas deveriam conseguir pedir. 

A temática - suicídio - é forte, intensa e devastadora, não apenas para quem é suicida ou para seus familiares e amigos, mas também para quem a observa ao longe. Mesmo que o suicídio seja uma possibilidade distante, muitos já pensaram em acabar com sua própria dor. Talvez todos nós. O que nos torna sobreviventes, nos protege de nós mesmos é um conjunto de coisas: nossas crenças, nossa família e, principalmente, nossa consciência. Essa consciência, no entanto, que nos mantém vivos está vulnerável a doenças e transtornos e pode se tornar uma armadilha.

A depressão é uma doença sorrateira que se infiltra em nossas mentes e nos faz querer desistir aos poucos. De tudo. Até que não sobre nada mais pelo quê lutar. Suicidas não são pessoas que decidiram jogar suas vidas fora por nada. Suicidas não são covardes. Suicidas não desistiram por serem fracos. Suicidas são pessoas que não sabem mais o que fazer, que não vêem outra saída e que, por estarem presas em quartos escuros dentro de suas próprias mentes, fogem daquilo que tanto os tortura porque não há mais como aguentar.

Jennifer Niven foi corajosa ao decidir compartilhar com seus leitores um pouco da história de alguém que ela conheceu. Inspirado num grande amigo da autora, Por Lugares Incríveis conta a história de Finch, um garoto incomum, obcecado por suicídio. Enquanto pensamentos autodestrutivos tomam conta de sua mente a cada segundo do seu dia, ele conta quanto tempo tem até perder o controle de si mesmo. Sem compartilhar sua condição com ninguém, o garoto cujos pais não se importam, vive para morrer.

As coisas mudam quando Finch conhece a encantadora Violet. Tão traumatizada e quebrada quanto ele, Violet estava pensando em se jogar da torre do sino da escola. Após ver a irmã morrer em um acidente de carro - do qual ela se sente imensamente culpada - a jovem que sonhava ser escritora se descobre sem palavras e sem vontade de viver. Em meio a tanta dor e desespero, esses dois adolescentes despedaçados vão aprendendo a colar os cacos um do outro para permanecerem aqui.

Uma das mais lindas histórias que eu já li, Por Lugares Incríveis é tão emocionante quanto verdadeiro. Por diversas vezes, chorei e me identifiquei com Violet ou Finch e sua urgência de ser. Ao contrário dos dois, meus transtornos mentais não envolvem morte, mas sim medo e, por isso, de tempos em tempos, também procuro ajuda. Nunca estive no parapeito pensando em me jogar, mas já me agarrei ao corrimão com medo de cair, um medo tão paralisante que dominou cada segundo do meu dia, cada escolha que eu fazia e ainda faço. Todos temos problemas, medos e precisamos de ajuda, não estamos sozinhos e se algo está errado com você, assim como está comigo, você sempre pode contar com um amigo. Estive aqui e estou aqui e o mundo é um lugar incrível onde há tanto para ver e tanto para ser.

"Um ponto positivo da vida é que podemos ser alguém diferente para cada pessoa." (p. 36)

Sinopse: Violet Markey tinha uma vida perfeita, mas todos os seus planos deixam de fazer sentido quando ela e a irmã sofrem um acidente de carro e apenas Violet sobrevive. Sentindo-se culpada pelo que aconteceu, Violet se afasta de todos e tenta descobrir como seguir em frente. Theodore Finch é o esquisito da escola, perseguido pelos valentões e obrigado a lidar com longos períodos de depressão, o pai violento e a apatia do resto da família.

Enquanto Violet conta os dias para o fim das aulas, quando poderá ir embora da cidadezinha onde mora, Finch pesquisa diferentes métodos de suicídio e imagina se conseguiria levar algum deles adiante. Em uma dessas tentativas, ele vai parar no alto da torre da escola e, para sua surpresa, encontra Violet, também prestes a pular. Um ajuda o outro a sair dali, e essa dupla improvável se une para fazer um trabalho de geografia: visitar os lugares incríveis do estado onde moram. Nessas andanças, Finch encontra em Violet alguém com quem finalmente pode ser ele mesmo, e a garota para de contar os dias e passa a vivê-los

"Você foi, sob todos os aspectos, tudo o que alguém poderia ser. [...] Se existisse alguém capaz de me salvar, seria você." Woolf, Virginia (p. 94)


setembro 01, 2016

[Livros] Trilogia Red Rising - Fúria Vermelha


Complexa, intensa e devastadora, Red Rising é, sem dúvidas, a melhor trilogia que eu já li na vida. Pierce Brown constrói uma distopia futurista e inovadora que destrói cada pedaço dos seus leitores enquanto esmaga lentamente a esperança e a humanidade de seus personagens. Genial do primeiro ao terceiro livro, a história envolve amor, justiça, vingança, amizade, traição e morte de forma intrincada, fazendo com que cada um esteja diretamente ligado ao outro.

Poucas vezes uma história deixou um buraco tão grande no meu peito. Cada capítulo de cada um dos livros traz muito sangue, suor e lágrimas. É difícil prever o próximo movimento de Pierce Brown, cada vez que pensei saber o que ia acontecer, fui traída pelo autor. Afinal, todo mundo pode trair todo mundo.

Uma sociedade dividida por cores, assim é o Sistema Solar que conhecemos no futuro. Em meio à escravidão de seu povo - os Vermelhos -, Darrow de Lykos nunca conheceu um mundo diferente, sem sofrimento. Sua vida em Marte sempre se resumiu ao seu trabalho e cada gota do seu suor é dedicado a trazer o sustento para sua família. Quando, por conta de uma tragédia, ele percebe que vive aprisionado por seres que se julgam superiores - os Ouros -, o jovem franzino decide se unir a um misterioso grupo que planeja destruir a hierarquia que os escravizou e destruiu sua vida. 

A princípio, a sede de vingança é o que move o jovem Darrow em sua jornada, mas aos poucos seus objetivos vão tomando forma e ele conduz uma revolução forte que pode libertar não só o seu povo, mas também todos os outros. Enquanto tenta desestruturar a sociedade de dentro para fora, o Vermelho transforma-se num Ouro e luta para conquistar seu lugar ao sol. Em uma Cor que valoriza a força, a luta e, sobretudo, a honra, o rapaz vai deixar todos os seus ensinamentos para trás, junto com sua família e as lembranças de sua vida pobre em Lykos, para se dedicar à arte da batalha. Afinal, ele sempre quis a paz, mas seus inimigos trouxeram a guerra a ele. 

De uma maneira inteligente e sensível, o autor envolve a trama com laços de amizade consistentes e personagens memoráveis. Quando as Cores dos protagonistas não são nada além de rótulos ancestrais, a confiança e a honra são o que definem os verdadeiros amigos. Confiar, no entanto, é ser vulnerável e um guerreiro com fraquezas não é bom o suficiente.

Com fortes críticas ao fascismo, ao circo do entretenimento, à crueldade humana, à corrupção política e, em alguns pontos, até mesmo à cegueira que a religião pode infligir aos povos mais necessitados, Brown cria uma obra de arte essencialmente política que dialoga com os tempos modernos. Fúria Vermelha, Filho Dourado e Estrela da Manhã são a melodia de um cântico mortal que provoca a guerra. 

Mais do que a história de uma revolução, Red Rising conta uma história de amor e coragem. A narrativa desenvolvida a partir de uma voz solitária que canta pela liberdade é tão trágica quanto bela e mesmo quando silencia, permanece ecoando nos corações oprimidos daqueles que nunca conheceram um mundo bom. A canção proibida que fala sobre um mundo melhor será ouvida, será cantada e trará a guerra, mesmo que, infelizmente, ela precise levar almas para libertar povos.

Sinopse: A trilogia Red Rising revive o romance de ficção científica e critica com inteligência a sociedade atual. Em um futuro não tão distante, o homem já colonizou Marte e vive no planeta em uma sociedade definida por castas. Darrow é um dos jovens que vivem na base dessa pirâmide social, escavando túneis subterrâneos a mando do governo, sem ver a luz do sol. Até o dia que percebe que o mundo em que vive é uma mentira, e decide desvendar o que há por trás daquele sistema opressor. Tomado pela vingança e com a ajuda de rebeldes, Darrow vai para a superfície e se infiltra para descobrir a verdade.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...