abril 27, 2017

[Livros] A Prisão do Rei - Victoria Aveyard (A Rainha Vermelha #3)

Título Original: King's Cage
Autor: Victoria Aveyard
Editora: Seguinte
Páginas: 553
Gênero: Distopia, YA, Ficção, Fantasia
País: EUA
ISBN: 9999094163351
Classificação: ★★★☆
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Terceiro livro da saga A Rainha Vermelha, A Prisão do Rei toma um caminho bem diferente de seus antecessores. Se nos outros livros, Victoria Aveyard nos bombardeou com reviravoltas e cenas de tirar o fôlego, desta vez, a autora desacelerou bastante o passo e a história se arrastou de forma entediante por cruéis trezentas páginas. O ritmo da história combinado a escolha dos narradores impactou muito o desenvolvimento da trama e, assim, considero este um dos mais fracos livros da série.

A narração dos capítulos nos fornece três diferentes pontos de vista: Mare, Evangeline e Cameron. Com motivações absolutamente diferentes, a escolha das três garotas não foi aleatória mas acabou prejudicando a narrativa. Mare passou grande parte do livro presa pelo ex-noivo, Maven, sofrendo todo o tipo de tortura física e psicológica. Evangeline é uma manipuladora e faz o possível para proteger a si mesma e aos interesses da família. Cameron, no entanto, é uma sanguenova que tem muita raiva por ter sido obrigada a se juntar à Guarda Escarlate. 

Se a Guarda Escarlate já não é exatamente popular por suas ações radicais, ter o ponto de vista de alguém que não concorda com o grupo tende a influenciar os leitores a não escolherem um lado. Discordo veementemente da forma de atuação política da Guarda e com atentados cada vez mais violentos, se fez necessário um ponto de vista mais humano de dentro da organização. Não há. Provavelmente, esta foi uma escolha proposital de Victoria, justamente para nos mostrar o grande caos político em que essa distopia se enquadra, infelizmente tão contemporânea que assusta.

As movimentações políticas e o jogo de manipulação propagado pelo governo é explícito e complexo. A autora expôs uma realidade distópica em que a rebelião é a única alternativa, no entanto, os ideais se perdem conforme o poder se dissipa. É um infinito de contraste de pontos de vista, crenças e poderes. Escolher um lado não é fácil, especialmente, quando tantos sacrifícios são requeridos pelo "bem maior", essa expressão que justifica todo tipo de atrocidade para consertar outra atrocidade vigente.

Ao finalizar a leitura é possível compreender porque o herdeiro destronado, Cal, hesita tanto em escolher um lado, a Guarda Escarlate não se mostra uma alternativa justa à monarquia absolutista. Teria sido interessante conhecer o ponto de vista dele perante os eventos que sucederam a prisão de Mare. 

Maven, no entanto, se mostrou mais complexo e misterioso do que parecia ser. O jovem rei confessou que é uma criação da mãe - manipuladora de mentes - e nos deixa na dúvida sobre o quanto de sua maldade foi implantada em suas lembranças pela falecida rainha Elara. Em muitos momentos, tive pena dele por tantas escolhas erradas, mas mesmo sem os laços que o uniam à sua mentora, Maven permanece um tirano obcecado por Mare Barrow e pelo poder.

O ritmo narrativo acelera nas últimas páginas e grandes alianças políticas se consolidam. É quase irônico o quanto o poder depende do medo. Enquanto os dois lados armam suas estratégias para a batalha, famílias, vidas e sonhos são dizimados por exércitos inteiros. É um massacre para ambos os lados e a vitória se afasta cada vez mais da paz. A justiça é uma utopia, seja no mundo real, seja no mundo distópico. Somos todos prisioneiros em nossas jaulas prateadas.

"Ele me enganou quando era príncipe, me atraindo para sua armadilha. Agora, estou na prisão do rei. Mas ele também está. Minhas correntes são as Pedras Silenciosas. As dele são a coroa." (p. 183)

Sinopse: No terceiro volume da série que já vendeu mais de 250 mil exemplares no Brasil, tudo vai queimar. Mare Barrow foi capturada e passa os dias presa no palácio, impotente sem seu poder, atormentada por seus erros. Ela está à mercê do garoto por quem um dia se apaixonou, um jovem dissimulado que a enganou e traiu. Agora rei, Maven continua com os planos de sua mãe, fazendo de tudo para manter o controle de Norta — e de sua prisioneira.

Enquanto Mare tenta aguentar o peso sufocante das Pedras Silenciosas, o resto da Guarda Escarlate se organiza, treinando e expandindo. Com a rebelião cada vez mais forte, eles param de agir sob as sombras e se preparam para a guerra. Entre eles está Cal, um prateado em meio aos vermelhos. Incapaz de decidir a que lado dedicar sua lealdade, o príncipe exilado só tem uma certeza: ele não vai descansar enquanto não trouxer Mare de volta.

"- Não sou tolo, menininha elétrica. - Seu tom acompanha o meu. - Se vai brincar com a minha mente, vou brincar com a sua. Somos bons nisso. (...)
- Não me compare a você, não somos iguais.
- Pessoas como nós mentem para todo mundo. Principalmente para nós mesmos." 
(p. 215)


abril 21, 2017

[Livros] A Química Que Há Entre Nós - Krystal Sutherland

Título Original: Our Chemical Hearts
Autor: Krystal Sutherland
Editora: Globo Alt
Páginas: 272
Gênero: YA, Ficção
País: EUA
ISBN: 9788525062406
Classificação: ★★★★
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Um soco no estômago. A Química Que Há Entre Nós foi uma daquelas leituras que nos chacoalham e nos fazem reavaliar nossas vidas e nossas escolhas amorosas. Mais do que um romance adolescente, essa é a história de um amor de verdade, não daqueles idealizados, mas daqueles que machucam, doem e fazem chorar encolhido na cama. De uma forma simples sem deixar de ser emocionante, o livro de Krystal Sutherland mostra que sentimentos não são nada mais do que química e às vezes as fórmulas não batem.

Outra vez me identifiquei muito com um personagem e mergulhei - literalmente - na história. Henry é o típico garoto que ama perdidamente e se desespera com a possibilidade de não ser amado de volta. Gostar de alguém já é suficientemente difícil, mas não ser retribuído dói como brasa quente e demora a passar. Junto ao protagonista, chorei por cada vez que tive meu coração partido e cada ilusão criada por mim mesma sobre alguém que parecia especial.

Henry Page é um tímido garoto com pouca ou nenhuma experiência com garotas, o típico nerd bonitinho que não sabe se aproximar do sexo oposto. Ele conta com seus dois melhores amigos - Lola e Murray - para fazer da sua experiência no ensino médio algo menos decepcionante. Quando conhece uma garota nova chamada Grace Town, Henry se apaixona instantaneamente por ela e esse é o começo de um perigoso mergulho no amor sem direito a bote salva-vidas ou boia. 

Grace tem problemas sérios com seu passado e tenta, na nova escola, recomeçar sua vida. O que aconteceu em seu passado não chega a ser um grande mistério para leitores de ya's, mas é algo impactante e tão difícil que mudou completamente sua personalidade e a transformou em outro alguém. A protagonista trava uma luta intensa contra seus próprios demônios e, ainda assim, o tolo Henry se apaixona por ela.

A amizade que os dois desenvolvem é espontânea e uma das coisas mais lindas sobre esse livro é a naturalidade como a autora envolve os protagonistas. Henry e Grace são cativantes e suas histórias são como tantas outras que acontecem fora da ficção. Em muitos momentos, percebi em Henry aspectos similares aos meus e sofri vendo-o cometer os mesmos erros que eu costumo cometer. O sofrimento expresso na narrativa é palpável e, apesar de serem níveis diferentes de dor, a autora nos mostra que não é possível comparar qual é a maior. A dor apenas dói.

Apesar de não ter aprovado a adaptação do título para o português, A Química Que Há Entre Nós - Our Chemical Hearts - é mais um belo romance ya publicado pelo selo Globo Alt. A forma como Krystal fala do amor é direta, objetiva, como ele próprio é, uma reação química. Quem complica o sentimento somos nós que ousamos ser peixes em lagos muito profundos quando não ainda sabemos nadar.

"- Você não pode projetar suas fantasias nas pessoas e esperar que elas cumpram o papel, Henry. As pessoas não são recipientes vazios para você encher com seus devaneios." (p. 220)

Sinopse: Grace Town é esquisita. E não é apenas por suas roupas masculinas, seu desleixo e a bengala que usa para andar. Ela também age de modo estranho: não quer se enturmar com ninguém e faz perguntas nada comuns.

Mas, por algum motivo inexplicável, Henry Page gosta muito dela. E cada vez mais ele quer estar por perto e viver esse sentimento que não sabe definir. Só que quanto mais próximos eles ficam, mais os segredos de Grace parecem obscuros. 

Mesmo que pareça um romance fadado ao fracasso, Henry insiste em mergulhar nesse universo misterioso, do qual nunca poderia sair o mesmo. Com o tempo, fica claro para ele que o amor é uma grande confusão, mas uma confusão que ele quer desesperadamente viver.

"- Eles envenenaram você com essa bobagem de 'o amor é paciente, o amor é gentil' desde que você era criança. Mas o amor é científico, cara. Quer dizer, ele é apenas uma reação química no cérebro. Às vezes essa reação dura uma vida inteira, repetindo-se de novo e de novo. E às vezes não. Às vezes ela entra em supernova e começa a desaparecer. Nós somos todos apenas corações químicos. Isso deixa o amor menos brilhante?" (p. 245)

abril 11, 2017

[Livros] A Rosa e a Adaga - Renée Ahdieh (A Fúria e a Aurora #2)

Título Original: The Rose and The Dagger
Autor: Renée Ahdieh
Editora: Globo Alt
Páginas: 366
Gênero: Romance, Ficção, Fantasia
País: EUA
ISBN: 9788525060365
Classificação★★★★★
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Desfecho da fantástica duologia de Renée Ahdieh, A Rosa e a Adaga conseguiu me encantar com sua beleza singular. Diferente de qualquer coisa que eu já tenha lido, essa recontação de As Mil e Uma Noites não só homenageia sua inspiração, como também a ressignifica. A forma como a autora envolve os contos originais árabes em um romance de moldes contemporâneos é simplesmente tão brilhante quanto as estrelas no deserto.

O triângulo amoroso entre Sherazade, seu marido e seu melhor amigo é de partir o coração. Ambos os garotos da vida de Shazi são merecedores de seu amor e saber que a jovem deve escolher um deles e fazer o outro sofrer é de partir o coração. Eu me apaixonei pelo menino-rei, Khalid, desde sua primeira aparição e minha opinião não mudou, mas a forma como Tariq ainda é apaixonado por seu amor de infância é devastadora.

Neste segundo volume, Renée explora de forma ainda que superficial - infelizmente - os poderes da protagonista. As habilidades recém-descobertas de manipular o tapete mágico e poder viajar para onde quiser são apenas parte da verdadeira força da rainha de Khorasan. Determinada a salvar seu califa, Sherazade recorre às histórias para buscar a verdade sobre a magia que corre em suas veias. 

Enquanto busca uma forma de quebrar a maldição de seu marido, a garota ainda tem de se preocupar com a família e com Tariq. Uma guerra se desenrola bem à sua frente e é difícil saber em quem confiar. O poder do livro que seu pai tenta obter pode ser mais perigoso do que se imagina e somente o verdadeiro conhecimento pode libertá-lo. 

Khalid e Tariq são duas peças importantes na trama, mas Sherazade rouba a cena. De forma geral, várias mulheres são responsáveis pelos acontecimentos decisivos na narrativa e a representação feminina faz jus ao poder da Sherazade inicial, o de utilizar-se de sua inteligência e astúcia para sobreviver. Mesmo com o coração dilacerado e carregando preocupações por sua família, amigos e marido, a jovem califa de Khorasan mostra que é mesmo uma rainha e em seu coração nunca haverá nada mais importante que o amor. Os livros e suas histórias podem salvar vidas, adiar auroras e nos levar para mundos inimagináveis sob um tapete mágico voador, basta um pouco de magia. 

"Em uma carta bem curta, o califa de Khorasan conseguiu expressar em palavras exatamente o que Tariq sempre sentiu sobre a garota que sempre amou. Sempre sentira, mas nunca expressara com tal simplicidade e eloquência. Essas não eram as palavras de um louco.
Pela primeira vez, Tariq viu o que Sherazade via quando olhada para Khalid Ibn al- Rashid.
Ela via um garoto. Que amava uma garota. Mais do que qualquer coisa no mundo.
E o odiou ainda mais por isso." (p. 111)

Sinopse: A esperada continuação de A Fúria e a Aurora, inspirado no clássico As mil e uma noites Sherazade chegou a acreditar que seu marido, Khalid, o califa de Khorasan, fosse um monstro. Mas por trás de seus segredos, ela descobriu um homem amável, atormentado pela culpa e por uma terrível maldição, que agora pode mantê-los separados para sempre. 

Refugiada no deserto com sua família e seu antigo amor, Tariq, ela é quase uma prisioneira da lealdade que deve às pessoas que ama. Mas se recusa a ficar inerte e elabora um plano. Enquanto seu pai, Jahandar, continua a mexer com forças mágicas que ele ainda não entende, Sherazade tenta dominar a magia crescente dentro dela. 

Com a ajuda de um tapete velho e um jovem sábio e tempestuoso, ela concentrará todas as suas forças para quebrar a maldição e voltar a viver com seu verdadeiro amor.

"E o amor? O amor era algo que podia mudar muito uma pessoa. Trazia tanto alegria quanto sofrimento, e trazia no seu bojo os momentos que definiam o caráter.
O amor dava vida aos que não viviam. Era o maior poder de todos.
No entanto, como em todas as coisas, o amor também tinha seu lado negro." (p. 253)


abril 04, 2017

[Séries] 13 Motivos Para Pensar Sobre Os 13 Porquês


Nesse fim de semana, a internet quebrou com o lançamento da série Os 13 Porquês (13 Reasons Why). Produzida pela Netflix e baseada no livro homônimo de Jay Asher, a história de Hannah Baker foi para as telas com uma carga emocional ainda maior do que no original. A adaptação ficou tão boa que foi além das consequências descritas no romance e deixou em um brilhante final aberto possibilidades assustadoramente reais. 

Este post contém spoilers sobre a série, portanto, se você ainda não terminou de assistir a produção, recomendo que faça uma maratona com direito a lenços de papel, pipoca e cobertores. Caso você tenha conseguido maratonar Os 13 Porquês no seu fim de semana de estréia, coloque seus fones de ouvido, dê play na trilha sonora da série - aqui -  e vamos começar a falar sobre uma garota morta, boatos, estupro, bullying, o colegial, o sistema educacional e as algumas das muitas consequências de tudo isso.

1 - Viver no passado. A fotografia, excelente, diga-se de passagem, privilegia propositalmente as cenas do passado, memórias de Clay. Viver no passado é uma característica da depressão, assim como viver no futuro é uma característica da ansiedade. Quando Clay pensa sobre Hannah e mergulha em tempos coloridos, mais felizes para ele, claramente percebe-se que a tristeza - representada na tonalidade acinzentada - que domina seu presente após a morte de Hannah indica um problema sério e que precisa de tratamento.

2 - Ela se envolveu com os caras errados porque todos eles pareciam ser certos, até provarem não ser. Cada tentativa de Hannah com um cara foi porque ela realmente acreditou que desta vez seria diferente. Ela acreditou no sorriso meigo de Justin, no jeito engraçado de Marcus, no olhar confiante de Bryce. 

Cada homem em quem confiou a traiu e isso fez com que a jovem não conseguisse mais acreditar em ninguém. Por isso, Clay, o único de todos os garotos que realmente valia a pena, também foi afastado por Hannah. Seu coração cansado de sofrer não aguentaria mais uma decepção e, assim, ao tentar se proteger, ela destruiu a única coisa boa que tinha conquistado.

3 - O ciclo infinito de maus-tratos. Fica bem claro que a vida de Justin Foley fora da escola é completamente diferente da de todos os outros garotos. A mãe viciada que o deixa passar fome e, ainda colocou dentro de casa um namorado violento, não se importa com o filho o suficiente e, por isso, é tão difícil para ele se importar com alguém.

De longe um dos personagens que mais sofrem em toda a série, Justin é o típico resultado da vida que teve. Sobrevivendo às custas do "amigo", o único com quem realmente pode contar, ele ignora as atrocidades protagonizadas por Bryce porque acredita não ter outra opção. Em outra vida, Justin talvez não fosse uma pessoa ruim, mas sua realidade o transformou num monstro.

4 - O medo nos paralisa e a culpa nos corrói. Em mais de uma situação, Hannah ficou paralisada pelo medo e depois se sentiu culpada por não ter conseguido fazer mais. Primeiro, quando Bryce aperta sua bunda, ela não sabe como reagir. Segundo, quando ela testemunha o estupro da amiga, mas não consegue se mexer. E terceiro, quando Bryce a estupra e ela não tem forças para dizer não. 

As três situações aconteceram em momentos diferentes e a impactaram de forma semelhante. A humilhação, a vergonha e o medo tiraram dela o que ela era e o que tinha de melhor. Hannah não conseguiu se impôr, principalmente porque não havia muito dela para impôr. Ela já estava quebrada desde o primeiro motivo e cada coisa que aconteceu depois a destruiu um pouco mais.

5 - Cada coisa que te faz feliz é importante. Hannah já não levava uma vida fácil na escola, mas quando seus pais a obrigaram a sair do trabalho no cinema - que ela adorava - para ajudar nas contas, ela morreu um pouco mais. Se poucas coisas na sua vida realmente importam, não as abandone nunca. Lute por elas. Os coelhinhos que Clay desenhava para Hannah, por exemplo, eram extremamente importantes para ela porque eram tudo o que ela acreditava ter. Por isso, perdê-los foi tão devastador.

6 - Algumas pessoas fingem melhor do que outras. Na fita de Zach - uma das mais comoventes, na minha opinião - Hannah deixa claro que vê no popular jogador de basquete a mesma solidão que em si mesma. Muitas vezes nos sentimos sozinhos enquanto estamos cercados de amigos. O que Zach mostrava ser era apenas uma versão da realidade que cada vez mais é vendida por essa nossa geração.

Vivemos cada vez mais isolados em nossas ilusões e fingimos sorrir para fotos quando na verdade estamos despedaçados e sozinhos. Não somos o que acham de nós - assim como Hannah não era seus rótulos -, e também não somos o que mostramos ser. Somos algo mais. Algo que ninguém mais consegue ver, muitas vezes, nem nós mesmos.

7 - Hannah pediu ajuda, mas ninguém acreditou que fosse tão sério. Em diversos momentos Hannah deixou claro que queria dar fim à própria vida. Em seu poema e em seu recado - ambos anônimos - e, principalmente, para o conselheiro da escola. Muitas vezes os conselhos que nos dão não são os que queremos ouvir e quando o Sr. Porter lhe diz que se ela não lhe der um nome ele não poderia fazer nada juridicamente, ela se sente sozinha e sem apoio. Outra vez. 

É notável a falta de empatia que o conselheiro demonstra para com Hannah. Suas insinuações, que mais parecem um interrogatório policial a deixam desconfortável e fazem com que ela tenha ainda menos vontade de se abrir com ele. Talvez se a antiga conselheira estudantil estivesse no cargo as coisas fossem diferentes, apenas talvez.

8 - Pais que trabalham demais e não têm tempo para seus próprios filhos. Em dois extremos, vemos os pais excessivamente preocupados de Clay Jensen e os amorosos, porém distantes, pais de Hannah. A mãe de Hannah não sabia quem eram os amigos da filha - se é que ela tinha algum - e não procurou saber. Quando conversavam, os pais sempre a interrompiam para falar sobre problemas do trabalho, como se a garota não fosse mais importante que isso. Infelizmente, é comum sentir que seus pais não te ouvem enquanto você conta como foi o dia ou que eles tem coisas mais importantes para fazer. 

Os pais de Clay só instituíram um "horário da família" quando perceberam que os distúrbios psicológicos do filho estavam de volta. Forçar um contato que foi inexistente durante toda a infância pode fazer com os filhos desejem se afastar mais e mais. Tempo em família é importante para a criança até que um dia deixa de ser. Se você nunca teve o hábito de se reunir com seus filhos, não tente forçá-los a tal, eles aprenderam e se acostumaram com isso a vida toda, é preciso começar devagar. 

9 - A popularidade comanda o colégio. Nenhuma novidade. Os garotos ricos, os atletas, os caras mais bonitos e as líderes de torcida mandam na escola. Isso porque o colegial é uma prévia maldosa da vida real, onde as aparências vão ditar quem você vai ser e o que você vai ter.

10 - O sistema educacional falho que condiciona crianças e tira delas sua individualidade. Uma crítica atemporal a um sistema antiquado, injusto e excludente, quando Hannah se diz despreparada para escolher o que quer fazer da vida, ela fala sobre o que qualquer jovem vive. Não é a toa que cada vez mais adolescentes ingressam em faculdades e trancam seus cursos pouco tempo depois por não terem certeza do que estão fazendo. 

Essa infelicidade constante, esse medo do futuro e essa incerteza são características de uma geração que vive no pós-guerra. Nós vimos como nações podem ser diminuídas a pó por armas nucleares e ideias segregacionistas. Nós convivemos com o conhecimento de que a vida humana pode estar com os dias contados e que os recursos naturais estão se esgotando. Ainda assim, somos condicionados a escolher uma carreira que se enquadre em nossos padrões sociais e financeiros para tentar nos sustentar pelo tempo que tivermos. Já parece ridículo ter que escolher quando nem se sabe se o futuro vai existir.

E sem preparo algum somos jogados em provas que nunca conseguiriam medir nossa real capacidade, mas nos qualificam e nos julgam merecedores de oportunidades. De uma hora para a outra, trocamos nossos lugares definidos e o relógio onde a hora parece nunca passar por um mundo nada parecido com a escola, onde nada se define e o tempo nunca é suficiente.

11 - Acontece de novo e de novo, embaixo dos nossos narizes. Os sinais para outros suicídios estavam lá o tempo todo. A forma como Alex não se importava com mais nada e, diferentemente dos demais, carregava uma culpa avassaladora por ter matado Hannah Baker, era um sinal. Seu quarto organizado e sua vida regrada pelo pai policial não deixavam espaço para falhas e o tiro que ele deu em si mesmo foi sua maneira de abandonar um arrependimento que nunca o deixou.

Apesar de toda a prevenção e discussão presente no seriado, a morte de Alex não foi motivada por bullying e isso mostra que o suicídio não está diretamente ligado a isso, mas está diretamente ligado a dor. O que Alex sentiu ao encarar a responsabilidade por tudo o que aconteceu com Hannah foi destruidor e o corroeu pouco a pouco. Suas dores de estômago podiam indicar seu estresse, suas crises nervosas e seu constante descontentamento estiveram ali o tempo todo, imperceptíveis, disfarçados.

12 - Existem várias versões da verdade. Hannah Baker não mentiu, ela contou sua realidade. O conceito de verdade é subjetivo e o que ela viveu pode não ser o suficiente para devastar outra pessoa, mas foi demais para ela. Julgar o tamanho da dor dos outros ou tentar comparar sofrimento é ser no mínimo injusto. 

Quando disse que Jessica se afastou dela, Hannah revela sua percepção do fim da amizade, que não necessariamente é a verdadeira. Assim como quando ela disse ter visto Zach amassar o bilhete. Tudo o que vivemos é real apenas para nós e ninguém nunca será capaz de enxergar ou sentir as coisas da mesma forma como enxergamos ou sentimos. Somos tão únicos quanto a dor que carregamos.

13 - O final e a assustadora possibilidade de um massacre no colegial. Tyler Down nunca foi melhor ou pior que nenhum dos outros motivos, mas sempre foi taxado como um dos mais desprezíveis garotos do colégio. O bullying que ele sofre constantemente fica fora do plano principal, mas nem por isso é menos importante. Tão ou mais machucado do que Hannah, Tyler convive com a exclusão dos colegas e o ódio de cada um deles.

Essa raiva acaba se transformando num desejo por vingança - tanto que ele é um dos primeiros a entregar os colegas em seu depoimento - e em um flash vemos seu arsenal de armas escondido dentro do quarto. Em fotos penduradas em sua sala escura, vemos todos aqueles que já o fizeram sofrer ou o maltrataram, inclusive Clay que em um momento de raiva divulgou uma foto dele nu para o resto da escola. A única pessoa de quem não planeja se vingar é Alex, que o defendeu de um agressor e provou-se "merecedor" de sua empatia. A perspectiva da matança planejada no Liberty High fica sugestionada e aterroriza o espectador.
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Eu podia falar sobre mais outros mil motivos sobre a importância dessa série como o desarmamento, o consumo irresponsável de álcool e drogas, o luto e a negação dos pais em admitir as falhas de comportamento de seus próprios filhos, os estupros cometidos por Bryce, os casamentos desgastados de pais que se mantém juntos por seus filhos, a questão do medo de aceitar sua própria sexualidade, os riscos que festas sem supervisão podem representar, o abuso psicológico e físico que jovens podem estar sofrendo em casa, a forte cena de Hannah cortando os pulsos, a intimidação, a auto-mutilação... enfim, essa série traz muitos questionamentos à tona, mostrando de uma forma sincera o quanto pequenas e grandes coisas podem afetar os outros.

Mesmo a mais gentil das pessoas pode cometer um erro estúpido, como aconteceu com Clay quando ele decidiu se vingar de Tyler Down e o ciclo interminável de dor não termina. É preciso se esforçar para ser gentil, tentar compreender o outro e aceitar as diferenças sem julgamento. Somos todos motivos, até mesmo a própria Hannah foi cruel com Tyler ao rir dele. 

O que devemos é nos esforçar constantemente para sermos os motivos pelos quais alguém vai sorrir, nunca pelos quais alguém vai chorar. Vamos falhar e fracassar algumas vezes, mas um só motivo para ficar pode compensar todos os outros motivos para partir. Tente e nunca desista. Você não está sozinho e as coisas vão melhorar. <3 

abril 02, 2017

[Música] Trilha Sonora de 'Os 13 Porquês'


A série da Netflix baseada no livro de Jay Asher, Os 13 Porquês (13 Reasons Why), está dando o que falar e não só pelo roteiro adaptado que está incrível ou pelas atuações convincentes, mas também pela excelente escolha da trilha sonora. Em cada episódio há uma cuidadosa escolha musical e temática e a relação entre ambas simplesmente nos envolve mais na atmosfera de ouvintes - assim como Clay Jensen.

A trilha sonora conta com participação de uma das produtoras da série, Selena Gomez, e tem vários nomes de peso como Joy Division, The Cure e Lord Huron. Em um tom bem indie, a série tenta resgatar com a música o prazer de ouvir uma fita mixada. Diferentes bandas e diferentes estilos trazem a uma história tão densa e triste, uma atmosfera por vezes romântica e nostálgica.

Confira no Spotify a trilha sonora completa da série:

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