Autor: David Mitchell
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 544
Gênero: Ficção, Romance
País: Reino Unido
ISBN: 9788535927580
Classificação: ★★★★★
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Uma obra única, Atlas de Nuvens é, sem dúvida, uma leitura inesquecível. Não é apenas um dos melhores livros que eu já li na vida, é, de fato, o melhor. A forma como David Mitchell interliga as vidas de seis estranhos em épocas distintas e de diferentes maneiras é nada menos que genial. A adaptação cinematográfica - igualmente brilhante - não fica atrás e emociona com um toque de romantismo a história original. Destaque também para Paulo Henriques Britto que fez um excelente trabalho em uma obra de dificílima tradução.
As tramas complexas e intrincadas que unem ações e suas consequências ao longo do tempo são narrada de seis diferentes maneiras e sua ordem faz parte de uma engenhosa sequência escrita por Mitchell. Utilizando gêneros textuais característicos e diretamente relacionados às épocas das histórias narradas, o autor compõe uma bela sinfonia ao fazer com que eles se complementem como uma escala musical.
A música é parte fundamental da compreensão de Atlas de Nuvens, aliás, o sexteto de Cloud Atlas, que dá nome ao livro, está presente em toda a narrativa - desde a estruturação do romance até a diagramação e também na belíssima capa brasileira da obra. O romance de seis protagonistas é uma clara alusão a um sexteto, que necessita de seis diferentes instrumentos para sua completa harmonia.
Adam Ewing é um jovem advogado que escreve em seu diário os acontecimentos de uma importante viagem. Seu diário é lido por Robert Frosbisher, um músico depressivo que busca ser reconhecido por suas composições, ele se comunica com seu amante, Sixmith, por meio de cartas. Essas cartas são lidas por Luisa Rey, uma jornalista e escritora que investiga uma organização corrupta e poderosa, seus relatos sobre o caso são compilados em forma de romance. O romance de Luisa Rey é lido por Timothy Cavendish, um atrapalhado editor que busca nos originais recebidos uma obra digna de sua publicação. A cômica história de Cavendish se torna um filme - ou um disney - e é assistido no futuro pela jovem Somni 451. Somny é uma fabricante, uma espécie de clone criado para servir os "seres humanos". Sua função foi delimitada muito antes de sua existência, mas ela rompe todos os paradigmas de sua raça ao ousar pensar e questionar sua própria vida. Sua história e coragem de destruir todo um Sistema de escravidão a tornaram uma heroína e, posteriormente, uma deusa. A deusa Somni é venerada num futuro pós-apocalíptico por Zachary, um camponês humilde que é desafiado a pensar questionar suas próprias crenças e tentar compreender o mundo com outros olhos.
Todas as histórias, exceto a de Zachary que é o ápice da narrativa, são contadas em duas partes e essa estruturação - a qual me referi no começo da resenha - forma uma espécie de escala conectando uma história à outra. O livro começa e termina com Adam Ewing e como no ciclo infinito da vida, David Mitchell ressalta a relação entre nossas ações e suas consequências, um ciclo cármico que mantém o equilibro e a harmonia.
Um dos elos mais fortes que une todas as histórias é o desejo por liberdade. Cada um dos protagonistas se encontra escravo de algum tipo de situação, afinal, a liberdade é um conceito ainda tão etéreo quanto as nuvens.
A linguagem empregada pelo autor se adapta ao tempo e tipo específico de narração e, especialmente nos tempos futuros, revela as predições dos linguistas. O conceito de que a linguagem tende a ser compactada e modificada com o tempo fica bem evidente com o declínio da sociedade na história de Zachary. A gramática normativa - ou formal - dá lugar ao discurso oral onde não existem regras, apenas a comunicação em si. É como se nosso fim fosse nos fazer retornar aos nossos primórdios e temos novamente a imagem de um ciclo ao qual estamos destinados.
O destino é uma força mística muito presente em Atlas de Nuvens, não de uma forma determinante como se tudo já estivesse previamente determinado nas estrelas. Pelo contrário, o atlas de nuvens seria uma representação do destino, um mapa com cada uma das nossas escolhas sobrepondo-se em diferentes eras, diferentes vidas.
Uma obra de arte, Atlas de Nuvens traz uma compreensão única do mundo e da vida. David Mitchell nos mostra que somos protagonistas em nossa própria vida, mas apenas coadjuvantes no grande plano. Somos tão diferentes quanto iguais e lutamos por liberdade. Repleto de metáforas e escrito com maestria por um gênio da literatura e amante da filosofia, este é um livro que ousa nos fazer levantar os olhos para ver nas nuvens o passado e o futuro.
"Perguntei como Yoona havia encontrado a sala secreta.
- Curiosidade - ela respondeu.
Eu não conhecia a palavra.
- Curiosidade é uma lanterna ou uma chave?
Yoona disse que era as duas coisas. Então mostrou-me o maior tesouro de todos.
- Este livro - disse ela, num tom de reverência, - mostra o Lá-Fora tal como ele é na verdade." (p. 206)
Sinopse: Um viajante forçado a atravessar o oceano Pacífico em 1850; um jovem compositor deserdado, conquistando à força de tortuosas invenções um modo de vida precário num solar da Bélgica, entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra; uma jornalista com princípios morais na Califórnia do governador Reagan; um editor menor fugindo aos seus credores mafiosos; o testamento de uma «criada de restaurante» geneticamente modificada, ditado na ala da morte; e Zachry, jovem ilhéu do Pacífico que assiste ao crepúsculo da Ciência e da Civilização: são os narradores de "Atlas de Nuvens", que escutam os ecos uns dos outros através dos corredores da história e vêem os seus destinos alterados de várias maneiras.
Neste que é um dos romances mais importantes da atualidade, David Mitchell combina o gosto pela aventura, o amor pelo quebra-cabeça nabokoviano e o talento para a especulação filosófica e científica na linha de Umberto Eco, Haruki Murakami e Philip K. Dick. Conduzindo o leitor por seis histórias que se conectam no tempo e no espaço — do século XIX no Pacífico ao futuro pós-apocalíptico e tribal no Havaí — Mitchell criou um jogo de matrioskas que explora com maestria questões fundamentais de realidade e identidade.'
"A assimetria exige que haja também um futuro real e um virtual. Imaginamos como vai ser a semana que vem, o ano que vem ou o ano 2225. - um futuro virtual pode influenciar o real, como naquelas profecias que acabam se autorrealizando, mas o futuro real vai eclipsar o virtual, tal como o amanhã eclipsará o hoje. Tal como a utopia, o futuro real e o passado real só existem numa distância nevoenta, onde já não servem para nada, para mais ninguém." (p. 419)